A
angiografia coronariana convencional (ACC) permanece atualmente como o exame
padrão-ouro para avaliação de doença arterial coronária (DAC), pois permite determinar a extensão,
localização e gravidade das lesões obstrutivas coronarianas.
A
angiografia coronariana por tomografia computadorizada (ACTC) de múltiplos
detectores tem sido utilizada como um teste não invasivo para avaliação da
presença de obstrução coronariana, porém a acurácia deste método ainda não é
bem estabelecida. Recentemente, foram publicados dois estudos multicêntricos
que procuraram avaliar a acurácia diagnóstica desta metodologia.
O
estudo CORE 64 foi desenhado para determinar a acurácia de angiografia
coronariana por TC de 64 detectores comparada à angiografia coronariana
convencional em pacientes com suspeita de doença arterial coronária. Miller
J.M1 et al. conduziram este estudo internacional, multicêntrico e prospectivo,
envolvendo nove hospitais em sete países.
Foram
incluídos pacientes acima de 40 anos, com suspeita clínica de DAC sintomática e
todos com indicação de realização de angiografia coronariana convencional.
Todos pacientes realizaram os exames de escore de cálcio e angiografia por TC
de 64 detectores antes da angiografia convencional. Os exames de ACTC e ACC
foram analisados em laboratórios independentes e as estenoses acima de 50%
foram consideradas como lesões obstrutivas. Foram excluídos da análise os
pacientes com escores de cálcio superiores a 600 (Agatston). Dos 291 pacientes
incluídos na análise, 56% apresentaram doença coronária obstrutiva.
A
acurácia diagnóstica da angiografia por TC para detectar lesões acima de 50%
quando comparada à angiografia convencional obteve uma área sob curva ROC
(receiver-operating-characteristic) de 0,93 (IC 95%, 0,90 a 0,96). A
sensibilidade do método foi de 85% (IC 95%, 79 a 90), especificidade de 90% (IC
95%, 83 a 94), valor preditivo positivo de 91% (IC 95%, 86 a 95) e valor
preditivo negativo de 83% (IC 95%, 75 a 89).
Os
autores concluíram que a angiografia coronariana por TC de múltiplos detectores
apresenta boa acurácia para identificar a presença e gravidade de doença
arterial coronária obstrutiva, porém os valores preditivos positivos e
negativos indicam que este método ainda não substitui a angiografia coronariana
convencional.
Num
trabalho semelhante, Meijboom W.B.2 et al. propuseram estudar a acurácia
diagnóstica de angiografia coronariana por TC de 64 detectores para detectar ou
excluir DAC significativa. Pacientes sintomáticos com diagnósticos
estabelecidos de angina estável ou angina instável, com indicação clínica de
realização de angiografia coronariana convencional, foram incluídos neste
estudo multicêntrico, de forma prospectiva, envolvendo três hospitais
universitários.
Foram
incluídos na análise 360 pacientes entre 50 e 70 anos que realizaram as duas
angiografias coronárias: a convencional e a por TC. O diagnóstico da doença
arterial coronária foi baseado na presença de obstruções coronarianas > 50%.
Neste estudo, todos os vasos e segmentos coronarianos foram incluídos na
análise, independentemente da qualidade de imagem obtida.
A
prevalência de DAC foi de 68% neste estudo. A sensibilidade de ACTC para
detecção de lesões obstrutivas foi de 99% ( IC 95%, 98 a 100%), especificidade
de 64% (IC 95%, 55 a 73%), valor preditivo positivo de 86% (IC 95%, 82 a 90%) e
valor preditivo negativo de 97% (IC 95%, 94 a100%). Os autores ressaltam que a
angiografia coronariana por TC pode excluir DAC significativa em pacientes já
com indicação de angiografia coronariana convencional.
Além disso, observaram que a gravidade das lesões ateroscleróticas geralmente é superestimada por angiografia coronaria por TC e concluíram que são necessários estudos futuros para melhor definição do manejo terapêutico dos pacientes com os resultados deste exame.
Além disso, observaram que a gravidade das lesões ateroscleróticas geralmente é superestimada por angiografia coronaria por TC e concluíram que são necessários estudos futuros para melhor definição do manejo terapêutico dos pacientes com os resultados deste exame.
Comentário
A angiografia coronariana por tomografia
computadorizada de múltiplos detectores emergiu nos últimos anos como um exame
promissor para substituição de angiografia coronariana convencional. Desde seu
advento, este exame despertou grande interesse e entusiasmo no meio médico por
ser um teste simples, elegante e não-invasivo que permite detectar a presença
de obstrução coronariana. A ACTC passou a ser amplamente utilizada para
avaliação cardiológica de pacientes com suspeita de doença arterial coronária,
apesar da carência inicial de evidência científica acerca do método,
indefinição da sua acurácia diagnóstica e da sua aplicabilidade clínica.
Os
primeiros estudos publicados com ACTC obtidos por meio de tomógrafo de 4, 8 e
16 detectores mostravam limitações importantes do método devido à baixa nitidez
das imagens adquiridas e dificuldades na análise dos segmentos coronarianos
distais. A melhora de aquisição de imagem obtida com o advento de tomógrafo de
64 detectores possibilitou uma melhora na análise de todo território coronariano,
incluindo os segmentos coronarianos médios e distais e resultou num grande
crescimento na utilização deste exame na prática clínica. Revisão sistemática3
dos estudos publicados nos últimos anos mostrou uma melhora da sensibilidade e
especificidade da ACTC, sobretudo no seu valor preditivo negativo elevado
(próximo a 100%), tornando este um exame interessante para exclusão de doença
arterial coronária e tem sido advogado como o exame que veio para substituir a
angiografia coronariana convencional. Entretanto, devemos lembrar que os
estudos apresentados até então eram estudos pequenos, de um único centro,
envolvendo pacientes selecionados e, frequentemente, os segmentos com baixa
nitidez da imagem eram excluídos da análise.
Estes
dois estudos multicêntricos publicados recentemente mostram que a angiografia
coronariana por TC de múltiplos detectores apresenta uma acurácia diagnóstica
relativamente boa para detecção ou exclusão das lesões obstrutivas acima de 50%
em pacientes com risco intermediário a alto de DAC. Pórem, diferentemente do
que vem sendo mostrado nos estudos prévios, apresenta um valor preditivo
negativo longe do ideal (83%) quando comparado com o exame padrão-ouro que
continua sendo a angiografia coronariana convencional. A baixa especificidade
do método e o número de exames falso-positivos observados no estudo de
Meijboom, quando faz a análise de todos segmentos estudados, é bastante
preocupante e nos mostra a necessidade de cautela. A positividade da ACTC
geralmente acarreta uma série de outros testes complementares ou procedimentos
adicionais, e consequente elevação de custos sem exato conhecimento do seu
benefício e sua implicação no acompanhamento clínico dos pacientes.
A
angiografia coronariana por TC ainda apresenta limitações técnicas que precisam
ser aprimoradas, tais como a dificuldade na análise de placas muito
calcificadas e de segmentos muito distais, além do impacto que a dose de
radiação poderia causar nos pacientes ser desconhecido. O seu uso
indiscriminado não está justificado e acarreta o aumento de custo no sistema de
saúde, sem evidências científicas claras do seu benefício. Ainda faltam estudos
que demonstrem o custo-efetividade relacionado a esta nova tecnologia, a
determinação do perfil dos pacientes que poderiam se beneficiar do método e
principalmente o efeito prognóstico na evolução dos pacientes. A sua utilização
como método para avaliação de doença arterial coronária ainda precisa ser
melhor definida com estudos futuros.
Por - Ching Yu*;
Bruno Caramelli; Daniela Calderaro
Fonte: Radiology