A polêmica vem se arrastando há vários anos, quando o biomédico começou a realizar exames radiológicos, alegando que a lei que regulamentou sua profissão lhe dá tal direito.
Ao analisarmos a Lei 6.684 de 03 de setembro de 1979, e o seu decerto nº. 88.439, de 28 de junho de 1983, em seus artigos 5º e 4º, podemos encontrar textualmente: “Sem prejuízo do exercício das mesmas atividades por outros profissionais igualmente habilitados na forma da legislação específica, o biomédico poderá: II – realizar serviços de radiografia, excluída a interpretação, inciso III – atuar sob supervisão médica, em serviços de hemoterapia, de radiodiagnóstico e de outros para os quais esteja legalmente habilitado”.
Saliente-se que a Lei que regulamentou a profissão do biomédico é de 1979 e seu Decreto regulamentador de 28 de junho de 1983, quando a profissão do técnico em radiologia não era regulamentada, e aqueles que a exerciam eram chamados de operadores.
A partir da regulamentação da profissão do técnico em radiologia, através da Lei 7.394, de 29 de outubro de 1985, as atividades das Técnicas Radiológicas passaram a ser exercidas exclusivamente pelos técnicos em radiologia e posteriormente também pelo tecnólogo em radiologia.
A lei que regulamentou a profissão do biomédico, em seu artigo 5º é clara: sem prejuízo do exercício das mesmas atividades por outros profissionais igualmente habilitados, na forma da legislação específica. Ora, qual a legislação especifica a que se refere o art. 5º da Lei 6.684/79 e o art. 4º do Decreto nº. 88.439/83? Na época não existia nenhuma, mas o legislador previa que uma profissão específica iria ser regulamentada. E já existia um projeto de lei, desde 1974, regulamentando a profissão do técnico em radiologia, que em 1985 se tornou a Lei 7.394/85.
Com relação ao inciso III do art. 5º da Lei 6.684/79 e inciso III do art. 4º do Decreto nº. 88.439/85, este ainda é mais contundente, pois sequer diz o que o biomédico deve fazer, senão generalizando: “atuar, sob supervisão médica em serviços de hemoterapia, de radiodiagnóstico e de outros para os quais esteja legalmente habilitado”. Que habilitação seria essa? Aplicar contraste? Conduzir os exames para os laudos? Atuar como técnico? Tal citação é evasiva a ponto de fazer com que os biomédicos entendessem que seriam todas as áreas da radiologia.
Existe prejuízo para a categoria dos técnicos? Evidentemente existe, pois os biomédicos estão usurpando as atividades que, a partir de 29 de outubro de 1985, passaram a ser exclusivas dos técnicos em radiologia.
A Lei 7.394/85, além de criar exigências e áreas de atuação dos novos profissionais, tanto na indústria quanto na medicina, em seu artigo 19, diz textualmente: Revogam-se as disposições em contrário. Quais as disposições em contrário à época da criação da Lei 7.394/85? O artigo 5º, incisos II e III, da Lei 6.684/79 e incisos II e III do Decreto nº. 88.439/83, que implicitamente estavam indo de encontro à nova legislação.
Talvez o legislador não tenha acrescentado no art. 19 da Lei 7.394/85 - Revogam-se as disposições em contrário, principalmente o inciso II do art. 5º da Lei 6.684/79, por achar que, com a clareza que existe no enunciado o art. 5º inciso II e art. 4º inciso II, e o Decreto nº. 88.439/83, não fosse existir tanta polêmica, pois não precisa ser legislador para entender que, antes de 1985, as técnicas radiológicas eram exercidas por qualquer leigo que aprendesse a operar os equipamentos radiológicos. E foi nesse diapasão que a Lei 6.684/79 encontrou uma brecha para aproveitar seus profissionais em uma atividade que estava solta, até a regulamentação da profissão do técnico através da Lei 7.394/85. A partir daí, o inciso II do art. 5º da citada Lei e o inciso II do Decreto nº. 88.439/83 perderam sua aplicabilidade, porque estavam causando prejuízo a outra categoria devidamente regulamentada na forma da lei específica.
Consolidado o Sistema CONTER/CRTRs, os regionais passaram a cumprir com sua obrigação maior, autuando e multando toda pessoa que estivesse exercendo a profissão do técnico em radiologia sem habilitação e sem inscrição no Regional da jurisdição, inclusive o biomédico. Incomodado com tais procedimentos, o Conselho Federal de Biomedicina baixou a resolução de nº. 79 de 29 de abril de 2002, no qual, pelo seu próprio entendimento, cria atribuições e nomatiza o art. 4º inciso III do decreto nº. 88.439/83, que diz: “Art. 6 º - normatiza-se o art. 4º, inciso III do Decreto nº. 88.439/83, no tocante aos biomédicos que atuarem, sob supervisão médica, em serviços de radiodiagnóstico e radioterapia, pela presente resolução”.
§1º Consideram-se como atividades em radiodiagnóstico, os profissionais que atuarem, sob supervisão médica, na operação de equipamentos e sistemas médicos de diagnóstico por imagem, nas seguintes modalidades:
I – Tomografia computadorizada;
II – Ressonância magnética;
III – Ultra-sonografia;
IV – Radiologia vascular e intervencionista;
VI – Mamografia;
VII – Densitometria óssea;
VIII – Neurorradiologia;
IX – Medicina Nuclear;
X – Outras modalidades que possam complementar esta área de atuação.
§2º Poderão exercer s atividades descritas acima, os profissionais legalmente habilitados em radiologia, imagenologia, biofísica e/ou instrumentação médica.
§3º considera-se como atividades em radioterapia, os profissionais que atuarem, sob superviso médica, na operação de equipamentos de diferentes fontes de energia, para tratamentos que utilizam radiação ionizantes.
Como se pode notar, tal resolução é desprovida de sustentação legal, quando determina atribuições não contidas na lei que regulamentou a profissão do biomédico, pois o inciso II do art. 5º da Lei 6.684/79 e inciso II do decreto nº. 88.439/83 diz simplesmente: “realizar serviços de radiografia, excluída a interpretação” – ou seja, a rigor o biomédico, antes da regulamentação da profissão do técnico em radiologia (29 de outubro de 1985), poderia fazer apenas exames convencionais, que são os exames mais simples.
Determinar através de uma resolução que o biomédico pode atuar em todas as áreas da radiologia, conforme o parágrafo 1º desta mesma resolução é simplesmente atropelar uma outra profissão devidamente regulamentada e que dentro de sua legislação tem claro, quanto a sua atuação, legislar em causa própria sem base legal.
Não obstante a falta de conhecimentos sobre a radiologia, notadamente nas áreas especificadas na resolução, esquece que a legislação do tecnólogo/técnico em radiologia determina uma carga horária de 24 horas semanais (quatro horas diárias).
Tal jornada de trabalho, diferenciada das demais categorias, não é uma dádiva e nem um privilégio, mas sim, uma maneira de preservar a saúde destes profissionais, que em contato direto ou indireto poderão sofrer os efeitos nocivos das radiações ionizantes.
Entretanto, a carga horária dos biomédicos que atuam indevidamente nas técnicas radiológicas varia de 30 a 40 horas semanal. Será que os biomédicos são de uma raça superior e imune aos efeitos e mutações biológicas decorrentes das radiações ionizantes?
Tamanho é absurdo da resolução nº. 78 de 2002, que chega a normatizar a radioterapia, conforme parágrafo 3º, que diz: “considera-se como atividade em radioterapia, os profissionais que atuam sob supervisão médica, na operação de equipamentos de diferentes fontes de energia, para tratamentos que utilizam radiação ionizantes.” Em nenhum momento, nem o decreto nem a Lei do Biomédico citam radioterapia, mas apenas radiodiagnóstico.
Ao analisarmos a grade curricular e o conteúdo programático do curso de biomedicina, chegamos à conclusão que, pela carência de conhecimentos específicos na área de radiologia, o biomédico não tem condições de exercer nem a profissão de auxiliar em radiologia.
Imagine uma formação em que durante todo o curso (quatro anos) o aluno estuda apenas um único semestre, com uma carga horária de 40 (quarenta) horas. O que esse formato aprendeu? Não dá para acreditar que a saúde das pessoas esteja sendo colocada nas mãos de pessoas sem o mínimo de conhecimento para exercer a profissão de técnico, quando na realidade sua formação foi para exercer a profissão e biomédico. O técnico em radiologia possui uma formação de 1.200 (mil e duzentas) horas, e durante o curso estuda todas as disciplinas da anatomia às físicas das radiações.
O tecnólogo em radiologia com formação de nível superior, durante o curso, tem acesso a um conhecimento vasto, abrangendo todas as áreas contidas na Lei 7.394/85 e Decreto nº. 92790/86, em seus artigos 1º e 2º, respectivamente, estando apto a desempenhar as técnicas radiológicas em sua plenitude.
Após todas essas considerações, por que o biomédico continua a usurpar as atribuições dos técnicos e tecnólogos em radiologia? Por que o Conselho Federal de Biomedicina continua dando apoio e criando mecanismo de forma equivocada, tendo como base uma lei de 79 e um decreto de 83, quando seus artigos são conflitantes com os de uma legislação posterior, que deixa claro quanto às atividades das técnicas radiológicas e a exclusividade de sua execução?
Qualquer iniciativa de tentar reconhecer ou facilitar a continuidade de tamanho disparate será considerada como traição à categoria.
Os Conselhos Regionais de Técnicos em Radiologia devem continuar coibindo a pratica ilegal, denunciando ao Ministério Público quem estiver exercendo a profissão de tecnólogo/técnico em radiologia sem formação específica e sem inscrição nos Conselhos competentes de radiologia.
Sabendo que existem decisões favoráveis e contrárias às autuações praticadas pelo Conselho de Técnicos. A polêmica continuará, até que a Justiça chegue a um consenso, e decida de uma vez por todas sobre essa aberração, ou seja, uma profissão sendo exercida por duas categorias distintas, uma com formação específica, que é a dos tecnólogos/técnicos em radiologia, e a outra pelos biomédicos sem nenhuma formação específica e sem conhecimento sobre a ciência da radiologia.
Em suma, os Conselhos devem continuar fiscalizando e autuando toda e qualquer pessoa que estiver exercendo ilegalmente a profissão de tecnólogo/técnico em radiologia e auxiliares, sem inscrição nos CRTRs competentes.
(matéria de autoria do TR. José Carlos Araújo de Melo, extraída da Revista CONTER nº 13 Ano IV– abr/mai/jun 2007).